Por trás de mais de 500 filmes produzidos no Amapá, com uma estética própria, muito coração e pouquíssimo orçamento, existe um nome que talvez você ainda não conheça, mas deveria: Bruce Arraes. Cineasta, contador de histórias, formador de talentos e, nas palavras dele mesmo, um “pai cinematográfico” de uma geração inteira.
Enquanto o sul e o sudeste monopolizam os holofotes do audiovisual brasileiro, Bruce, direto de Santana, Amapá, constrói uma filmografia consistente, ousada e inspiradora. E tudo começou com um sonho, uma câmera TekPix e um grupo de crianças tímidas numa escola agrícola.
A Ilha dos zumbis 2018
🎬 Da infância desenhista ao cinema Na raça
Nos anos 80, Bruce era o garoto que desenhava sem parar e criava revistas em quadrinhos como “A Turma do A-ha”. Influenciado por filmes como De Volta Para o Futuro, sua imaginação voava longe, mas foi só anos depois, já trabalhando como catequista em Santana, que o cinema entrou de vez na sua vida.
A missão era simples: montar uma peça de teatro para receber uma visita importante. Mas com crianças tímidas demais para o palco, ele teve um estalo: “E se eu fizesse um filme?”. Assim nasceu “Dona Felicidade”, gravado com uma TekPix e exibido na escola. O resultado? Um sucesso local e um divisor de águas na vida de Bruce.
“Foi ali que eu descobri minha felicidade própria: fazer cinema.”
🧠 Autodidata com sangue nos olhos (e na lente)
Sem formação acadêmica em cinema, Bruce aprendeu tudo na raça: leu livros, fez workshops, assistiu palestras e, principalmente, filmou — muito. Não por vaidade, mas por necessidade. E foi assim que nasceu a AMOVIS (Movimento Audiovisual de Santana e Macapá), que em menos de uma década acumulou mais de 500 produções.
Esses filmes foram feitos com câmeras simples, celulares, muita criatividade e talento local. Bruce se tornou referência no Amapá — e, diga-se, Patrimônio Cultural de Santana — não só pelo volume de produções, mas por sua capacidade de mobilizar comunidades inteiras em torno da arte.
🧟♂️ Terror com coração amazônico
Sim, Bruce é cristão fervoroso — e sim, ele também ama zumbis, bonecas possuídas e tudo que faz o público gritar e rir ao mesmo tempo. Seus filmes de terror como A Ilha dos Zumbis (2018) e Medo de Bonecas (2023) flertam com o cinema trash dos anos 70 e 80, o Cine Trash da Band, o Zé do Caixão e até referências gringas como Freddy Krueger e Jason Voorhees.
“Eu gosto do preto e branco. Ele realça o mistério, o terror. Fiz questão de filmar A Ilha dos Zumbis com baixa qualidade proposital. Era pra parecer mesmo um filme antigo. E ficou lindo.”
Mas não é só por nostalgia: o terror de Bruce é ferramenta narrativa, usada pra falar sobre fanatismo religioso, injustiças sociais, medo, fé e resistência — temas que fazem sentido tanto no Amapá quanto em qualquer lugar do mundo.
🌱 Formação de talentos e transformação social
Bruce não é só um fazedor de filmes — ele é um formador de pessoas. Seu trabalho com jovens em escolas públicas e oficinas comunitárias já transformou dezenas de vidas. Muitos dos seus ex-alunos hoje são diretores, produtores, atores e artistas visuais que começaram com uma fala tímida diante de sua câmera.
“Eles me dizem que se não fossem os filmes que fizemos juntos, eles não teriam conseguido apresentar o TCC ou fundar seus próprios projetos. Cara, isso é ser pai cinematográfico.”
🚀 500 filmes, um sonho gigante e nenhum medo do impossível
A trajetória de Bruce tem a energia de quem nunca parou: ele chegou a exibir episódios da sua série Saga dos Zerinhos por cinco anos seguidos em uma TV local, produzindo novos episódios em ritmo de pãozinho na padaria — todos os dias. Foi nesse caos criativo que ele aprendeu na prática o que nenhuma faculdade ensina: persistência.
“Eu nunca tive grana. Acho que gastei quase nada em todos esses filmes. Mas tive coragem, cara. E isso fez as pessoas acreditarem em mim.”
Hoje, com acesso às Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, Bruce tem estrutura mínima, mas sonha alto: quer montar um Projac amazônico, uma cidade cenográfica no Amapá que funcione como estúdio e ponto turístico. Enquanto isso, prepara a sequência de Medo de Bonecas — mais sangrenta, mais intensa, mais trash.
🎞️ Um cinema que é local e global
Apesar de usar atores e locações locais, Bruce não quer fazer filmes “apenas regionais”. Ele sonha grande e mira no global.
“Eu misturo a Amazônia com o cinema internacional. Quero que o mundo veja. Quero fazer filme que qualquer pessoa em qualquer lugar consiga entender.”
💬 E um recado final pra quem também quer sonhar
Bruce é direto ao falar com os jovens:
“Você quer ser luz? Seja a luz. Quer ação? Então seja a ação. Transforma teus sonhos em metas e vai atrás. Com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, dá pra ir longe.”
Bruce Arraes é cinema de guerrilha com alma. É câmera na mão, fé no coração e edição feita na força do café. Um artista que resiste, transforma e inspira. Se você ainda não ouviu falar dele, agora é sua chance de conhecer — e espalhar