Se você ainda não assistiu a uma drag queen de 150 quilos comendo um verdadeiro cocô de cachorro na tela grande, você não entende porra nenhuma sobre cinema. É por isso que “Pink Flamingos” (1972), aquela obra-prima escatológica de John Waters, continua sendo o filme que Hollywood tenta esquecer e o banheiro da contracultura se recusa a dar descarga.
Vamos ser claros: qualquer descrição desse filme para pessoas normais termina com elas ligando para a polícia ou para um exorcista. Divine, a protagonista mais cheia de maquiagem e vazio moral da história, interpreta uma criminosa foragida que se autodenomina “a pessoa mais imunda do mundo”. E puta que pariu, ela prova esse título trabalhando duro por ele – roubando, matando, trepando com o filho e seu comparsa, e cometendo todo tipo de perversão que faria Pasolini vomitar o café da manhã.
A “trama”, se é que podemos chamar assim essa desculpa esfarrapada para empilhar degenerações em sequência, envolve uma competição pelo título de “Pessoa Mais Imunda Viva” entre Divine e um casal igualmente repulsivo, Connie e Raymond Marble. Estes últimos sequestram mulheres, as engravidam com seu mordomo, e vendem os bebês para casais lésbicos. Depois usam o dinheiro para financiar tráfico de heroína em escolas de ensino fundamental. Normal, né? O tipo de gente que você apresentaria à sua mãe no domingo.
Mas Divine não aceita perder seu título. Em resposta, ela invade a casa dos Marbles, lambe todos os móveis (não, isso não é uma metáfora), e prepara uma festa de aniversário que termina com os rivais sendo executados diante de jornalistas convidados. É basicamente um episódio de MasterChef onde o prêmio é um lugar especial no inferno.
O filme é tão tosco que a palavra “tosco” parece um elogio. Filmado com um orçamento que provavelmente não pagaria nem o café do set de um filme da Marvel, cada cena parece ter sido iluminada com lanternas e gravada por um câmera com Parkinson. A trilha sonora soa como se alguém tivesse dado LSD a uma banda de garagem e depois ligado o gravador sem avisar. E ainda assim, essa merda toda funciona perfeitamente.
Waters criou o equivalente cinematográfico a um ataque terrorista contra o bom gosto. Em 1972, enquanto o cinema americano se preparava para a “era de ouro” com O Poderoso Chefão, esse idiota genial fazia Divine chupar o pau do filho ficcional em uma cena que a censura americana ainda tem pesadelos. Não é à toa que o filme foi banido em vários países e chegou a causar vômitos em massa em algumas sessões – literalmente, com espectadores enchendo baldes.
E então, como a cereja escatológica no topo do bolo fecal, temos a cena final: Divine, após testemunhar um cachorro cagando na calçada, segue o animal, pega a merda ainda fresca e a enfia na boca. Sem truques, sem efeitos. É um verdadeiro cocô de cachorro sendo consumido enquanto a câmera registra. É o momento em que o cinema como forma de arte morre e renasce simultaneamente, como uma fênix saindo de um cocô em vez de cinzas.
Hoje, quase 50 anos depois, “Pink Flamingos” permanece como um monumento ao mau gosto, à libertação sexual e à rejeição de tudo o que é sagrado. É o tipo de filme que você não “gosta” – você sobrevive a ele. É o tipo de experiência que faz você questionar não apenas seus limites pessoais, mas também por que diabos alguém pensou que isso seria uma boa ideia para um filme.
E talvez essa seja exatamente a porra do ponto. Em um mundo onde o cinema mainstream continua nos vendendo as mesmas histórias empacotadas em CGI cada vez mais caro, talvez precisemos de mais filmes onde drag queens obesas comam merda na tela. Talvez precisemos de mais John Waters apontando o dedo para nossas sensibilidades e dizendo: “Olha essa merda aqui, seu babaca.”
Cinco estrelas. Ou cinco sacos de vômito. Tanto faz.